A natureza é bem feita. Quando a luz do dia diminui, ao final da tarde ou início da noite, a retina do olho dá o alerta. Transmite a informação ao cérebro, que interpreta corretamente o sinal: a noite vai cair, está quase na hora ideal para dormir. De imediato, os neurónios do cérebro iniciam a sua atividade. Ativam, sem demora, uma cascata de reações que resultará na produção da hormona do sono, o regulador dos nossos ritmos cronobiológicos: a melatonina.
Esta molécula, fabricada a partir do triptofano na epífise cerebral, atravessa a barreira hemato-encefálica e chega, em poucos segundos, à circulação sanguínea. Com um objetivo muito preciso: difundir as informações captadas pela retina e incentivar todo o organismo a abrandar, e a adormecer suavemente. Para o conseguir, apresenta-se a todas as células com capacidade para a reconhecerem graças a recetores muito especializados e desencadeia ações relaxantes diversas. Os efeitos são rápidos, em particular após as 19h, altura em que o grau de recetividade dos recetores é mais elevado (1). Se tudo estiver bem, a pessoa sente os sinais de fadiga desencadeados pela melatonina, bocejos repetidos, sonolência discreta, até ao momento em que decide ir deitar-se na cama, onde a espera uma noite tranquila. Durante a noite a produção de melatonina continua e depois diminui progressivamente, parando por si mesma cerca das 6 horas da madrugada, sem que o nascer do sol tenha qualquer influência nisso. Ou seja, todas as noites o nosso organismo produz entre 10 e 80 µg de melatonina. Quando está tudo bem.
Imaginemos agora que uma pessoa fique privada de todas as fontes luminosas durante vários dias. Que se passaria? O organismo conseguiria, mesmo assim, produzir melatonina sem as informações preciosas da retina? Teria um sono reparador? Uma primeira experiência – que remonta a 1962 – deu resposta a estas perguntas. Nesse ano, um espeleólogo francês – Michel Siffre – passou dois meses num glaciar subterrâneo no sul de França, sem qualquer referência temporal e sem luz. Graças a um sistema de comunicação engenhoso de sentido único, o espeleólogo comunicou à sua equipa as suas horas de levantar, de fazer as refeições e de deitar, sem receber a mínima informação da superfície. Quando saiu do glaciar, a 17 de setembro de 1962, estava de boa saúde, mas julgava que estava a 20 de outubro. Sem uma referência luminosa, o seu organismo ativou um relógio interno, capaz de funcionar independentemente dos acontecimentos e dos sinais externos, que assegurou a alternância entre os períodos de vigília e de sono, mas que revelou ser muito impreciso. Nos anos seguintes, ficou a saber-se que este relógio interno gerava ciclos médios de 25 horas, ou seja, com uma hora a mais relativamente aos ciclos de 24 horas ditados pelo meio ambiente. A diferença parece mínima, mas é suficiente para transformar – em apenas 3 semanas – a atividade diurna de um indivíduo, em atividade noturna!
A luz e a produção de melatonina são, por conseguinte, cruciais para garantir horários de deitar e de levantar regulares. Permitem ao nosso organismo sincronizar o respetivo relógio interno com a alternância do dia e da noite. Graças a esta sincronização, mantemo-nos “adaptados”, toda a vida, a horários regulares ligados ao nosso meio ambiente. Ficamos cansados na altura certa – ao início da noite – e em plena forma (quando é necessário) de manhã, algumas horas depois do nascer do dia. Infelizmente, esta produção de melatonina endógena, indispensável para um sono reparador regular, é por vezes muito perturbada nas nossas sociedades modernas …
Dissemo-lo há pouco: a retina desempenha um papel importante na produção da melatonina. É ela que indica ao organismo que a noite caiu e que se deve preparar para dormir. Mas que se passa se uma pessoa se mantiver toda a noite colada à televisão ou ao ecrã do computador, duas fontes de raios luminosos potentes, que apresentam um pico de emissões de 460 nm (luz azul)? Muito simplesmente, a retina deixa-se enganar e não avisa o cérebro de que o dia terminou, o que provoca um desfasamento da secreção de melatonina e perturba o adormecer. Quando a pessoa decide ir deitar-se (muitas vezes tardiamente pois não sentiu os sinais de fadiga) a melatonina que circula no organismo é demasiado escassa para propiciar o adormecer. É preciso esperar uns bons vinte minutos, por vezes até mais, para que o corpo comece a relaxar e entre progressivamente num estado de sono, sob o efeito da melatonina.
Mas não é tudo! Os raios luminosos dos ecrãs não perturbam apenas o adormecer; ao desencadear a produção de melatonina algumas horas após o momento ideal, provocam um desfasamento de algumas horas no pico de produção e contribuem para a produção de melatonina numa altura inoportuna: ao nascer do dia! Na realidade, o período de produção da melatonina mantém-se relativamente estável; se se iniciar mais tarde irá terminar mais tarde. Quando o despertador toca na manhã do dia seguinte às 6h30, os níveis circulantes de melatonina estão ainda demasiado elevados, como consequência de um desfasamento na produção. Daí resultam sintomas que milhões de pessoas conhecem muito bem: fadiga, sensação de ainda ter necessidade de dormir, sonolência matinal… Se a situação se repete, o sono fica perturbado de forma crónica. A isto chama-se a síndrome de atraso de fase do sono. É muito frequente nas pessoas com menos de 30 anos (adolescentes e jovens adultos), mas está a aumentar perigosamente em todas as categorias da população como consequência das tendências recentes de visionamento tardio de séries de TV e da popularidade cada vez maior de telemóveis do tipo “smartphone”.
A melatonina de origem exógena, ou seja, administrada na forma de cápsula ou de spray, é uma solução natural para este problema comum. “Natural” porque é em tudo idêntica à melatonina produzida pelo organismo. A ideia consiste em servir-se deste apoio externo para enganar o organismo. Sendo muito biodisponível, a melatonina exógena chega aos vasos sanguíneos e comporta-se como a melatonina endógena, desencadeando várias ações sedativas. Este sinal origina então um ciclo virtuoso: o organismo compreende que tem de passar para modo de sono e a produção de melatonina endógena (necessária para a manutenção do sono durante toda a noite) desencadeia-se – sem esperar pelas informações da retina e sem ter em conta as fases de sono recentes.
Apenas coisas positivas! Em 2010, uma meta análise reuniu os resultados de 9 ensaios realizados sobre a síndrome de atraso de fase do sono; todos provaram que a administração oral de melatonina permitia antecipar o início da secreção de melatonina endógena em pouco mais de uma hora, e o surgimento do sono em mais de 30 minutos. O aporte de melatonina diminui sobretudo a latência do adormecimento em mais de 20 minutos sem alteração significativa na hora de acordar nem no tempo de sono total (2). Para as vítimas de insónias, esta redução é uma sorte!
A toma de 2 a 3 mg de melatonina de libertação imediata (ou seja, 2 a 3 comprimidos de Melatonine 1 mg) cerca de 5 horas antes da hora habitual de adormecer. Por exemplo, às 21h se o adormecimento ocorre habitualmente às 2 horas da madrugada.
Este protocolo deve ser seguido durante um mês, respeitando as medidas clássicas de higiene do sono.
Aconchegar a sua almofada. Virar-se de dez em dez minutos. Olhar fixamente para o teto. As insónias noturnas são especialmente desagradáveis. São muito frequentes nas pessoas com mais de 65 anos; estima-se que 50% dessas pessoas sofram de insónias regularmente, em particular no final da noite.
O stress crónico e a ansiedade estão por vezes na origem do fenómeno, mas o mais frequente é a arquitetura do sono que se altera com o envelhecimento. Análises realizadas mostraram que a fase de “sono ligeiro” aumentava progressivamente com a idade, ao passo que as fases de “sono profundo” e de “sono paradoxal” diminuíam. Ora, é precisamente durante o sono ligeiro que acordamos mais facilmente; o menor ruído, movimentos demasiados bruscos do cônjuge, uma ligeira sede, uma ligeira necessidade de urinar podem ser suficientes para provocar, a termo, uma fragmentação crónica do sono.
Estes despertares alimentam um ciclo vicioso. Irritados pela situação, temos tendência por vezes para nos levantarmos, acender a luz, olhar para o telefone. É um erro: uma iluminação noturna, tão breve quanto um flash de alguns segundos, interrompe brutalmente a produção de melatonina, sobretudo se ocorrer entre as 2 e as 4 horas da madrugada. Obviamente, a produção pode ser retomada logo a seguir, mas o final da produção sofre um desfasamento, o que conduz a uma fadiga durante o dia.
Na realidade, conhecemos uma das causas da degradação do sono nas pessoas com mais de 65 anos. Quando envelhecemos, a epífise cerebral, que está na origem da produção de melatonina, calcifica – o que reduz os níveis de secreção da hormona do sono (3). Uma das soluções possíveis para compensar esta penúria é a toma de melatonina de libertação retardada. Com efeito, o problema destas pessoas não reside no facto de não adormecerem (pelo contrário, têm muitas vezes tendência para adormecer rapidamente) mas sim de continuar adormecidas até ser de manhã. Para tal, a melatonina tem de ser produzida continuamente pois o “tempo de vida” da molécula é bastante curto (entre 30 minutos e uma hora) (4).
Os preparados de libertação retardada serão, portanto, preferíveis pois vão imitar a produção contínua de melatonina endógena e permitir garantir concentrações estáveis por um período de tempo mais longo (5).
Um estudo realizado com sujeitos com mais de 50 anos provou pela primeira vez, em 2001, que o aporte oral de uma dose de melatonina aumentava a concentração em melatonina plasmática para o seu nível normal e pode melhorar consideravelmente o sono nas pessoas que sofrem de insónias ligadas à idade, sem alterar a arquitetura do sono (6).
A toma de 3 a 6 mg de melatonina (a absorção da melatonina por via oral pode ser reduzida para metade nos idosos), ou seja, 1 a 2 cápsulas de Melatonine 3 mg Timed Release um quarto de hora antes do deitar. Esta medida pode ser associada a uma sessão de luminoterapia ao final da tarde durante 1 a 2 horas, por um período de um mês.
Trata-se de uma síndrome que agrupa todos os problemas do sono associados aos voos de avião que atravessam vários fusos horários. Estes problema de sono são fáceis de compreender: o relógio biológico do viajante está sincronizado com a hora do fuso horário de origem. Quando a pessoa aterra, os sinais ambientais e as limitações sociais estão desfasadas deste relógio, o que dá origem à produção de melatonina em períodos desadequados e a sintomas de sonolência inapropriados. Regra geral, o sono do viajante mantém-se razoável no primeiro dia a seguir ao voo, mas degrada-se nos dias seguintes. Durante 5 a 6 dias, a segunda parte da noite é frequentemente caótica.
A melatonina exógena é uma solução notável para este problema moderno. Permite avançar ou atrasar a fase de produção da melatonina, em modo acelerado, o que reduz os sintomas e diminui a duração da síndrome.
Os autores de uma síntese publicada em 2002 escrutinaram os resultados de 9 ensaios clínicos controlados por placebo e concluíram que a melatonina era eficaz e segura para prevenir ou mitigar os efeitos do desfasamento horário2. A eficácia do tratamento é mais acentuada quando se viaja para leste, atravessando 5 fusos horários ou mais. Os autores especificam que é muito importante tomar a melatonina na altura certa, caso contrário os efeitos do desfasamento horário poderiam acentuar-se.
Os autores de uma síntese publicada em 2009 escrutinaram 14 ensaios clínicos e concluíram que a melatonina era benéfica para prevenir e mitigar os efeitos do desfasamento horário (jetlag) (7). Conseguiram mesmo determinar protocolos em função do sentido da viagem (para leste ou para oeste).
Nos dias que antecedem a partida: levantar-se mais cedo, expor-se o mais possível à luz do dia, dormir bem, tomar 1 a 2 mg de melatonina um quarto de hora antes de se deitar.
No dia da partida: tomar 2 a 3 mg de melatonina, no dia da partida, a uma hora definida usando o cálculo seguinte: 22h – o número de fusos horários a atravessar. Nunca a tomar antes de 15h em qualquer caso; tal teria como efeito o atraso da fase.
À chegada: tomar melatonina durante 5 dias consecutivos um quarto de hora antes de se deitar. Levantar-se de manhã e estar ativo no exterior durante pelo menos 30 minutos.
Nos dias que antecedem a partida: deitar-se mais tarde, expor-se à luz do dia e dormir bem.
No dia da partida: tomar 1 mg de melatonina ao levantar.
À chegada: tomar 2 a 3 mg de melatonina pelas 22h durante 5 dias consecutivos.
Estes protocolos permitem corrigir os sintomas do desfasamento horário em menos de 3 dias, ao passo que se estima que é necessário mais de uma semana se não se tomar nada.
Se sofre de problemas de sono há muito tempo, pode também fazer um registo do sono, indicando para cada dia: a hora de deitar e de levantar, o tempo de adormecimento suposto, o número de despertares noturnos, a duração estimada do sono, a qualidade do sono, as sestas e o nível de forma física sentido durante o dia.
Referências
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