Se se interessa pelas medicinas naturais, não pode ter passado ao lado desta planta a que chamamos “o sol em pó” e que faz as delícias das populações asiáticas há milhares de anos: a curcuma.
Se se interessa pelas medicinas naturais, não pode ter passado ao lado desta planta a que chamamos “o sol em pó” e que faz as delícias das populações asiáticas há milhares de anos: a curcuma (do latim Curcuma longa).
Esta raiz de cores vivas figura nos tratados de medicina ayurvédica há pelo menos 4000 anos e é alvo de um entusiasmo sem precedentes em todo o mundo. É utilizada tanto pelas suas propriedades antioxidantes como pelo seu sensacional poder anti-inflamatório, mas é a sua capacidade de prevenir o cancro, ou até mesmo de abrandar a evolução deste, que é mais apaixonante. Na comunidade científica este entusiasmo pelas virtudes anti cancro da curcuma é flagrante; em 30 anos, o número de estudos científicos sobre este assunto subiu exponencialmente, com um ritmo de publicação em aumento constante. O seu interesse subiu um flecha quando um grupo de investigadores notou que a prevalência de inúmeros cancros era mais baixa nos países asiáticos onde se consome muita curcuma (1).
A maioria destes estudos confirmou sem margem para ambiguidade que a curcuma desempenhava um papel na prevenção e na proliferação das células cancerosas (2-8) sem que se soubesse verdadeiramente porquê. Foi preciso chegar ao estudo científico número 941 para ter uma explicação convincente do seu mecanismo de ação. Retorno à história incrível desta raiz que certamente ainda não revelou todos os seus segredos.
Um belo dia, algures no sudeste asiático, um pequeno grupo de homens experimentou provavelmente por acaso provar o rizoma de uma pequena planta vivaz de flores de cor violeta da família da Curcuma longa. Como a experiência foi agradável, introduziram pouco a pouco este ritual nos seus hábitos alimentares sem saber que a planta tinha na verdade virtudes benéficas. Estas propriedades desconhecidas conferiram então ao pequeno grupo de homens uma vantagem seletiva relativamente aos restantes grupos que não a consumiam; uma forte capacidade de cura, uma esperança de vida ligeiramente superior e, por conseguinte, um número de descendentes mais elevado do que a média. Logicamente, estes descendentes fizeram as mesmas escolhas alimentares que os seus pais e, por sua vez, transmitiram-nas às gerações seguintes, embora com o passar do tempo os consumidores de curcuma se tenham tornado mais numerosos, formando mesmo uma população completa. Uma população de comedores de curcuma. Pouco a pouco, e sem que saibamos verdadeiramente como, os indivíduos que formavam esta população associaram a planta à sua superioridade; acabaram por compreender que ela lhes conferia “poderes” especiais. Não é portanto surpreendente que ela se tenha tornado uma figura sagrada em torno da qual se fundaram mitos e crenças populares fabulosos que ainda hoje são contados. Na Malásia, por exemplo, continua a untar-se o ventre da mãe e o cordão umbilical com pasta de curcuma para afastar os “maus espíritos”, ao passo que na Índia se passa um fio de curcuma em torno do pescoço para estimular a fertilidade.
Com o passar do tempo, as populações asiáticas compreenderam que podiam controlar a reprodução da planta-fetiche, e até obter plantas com rizoma mais grosso cruzando indivíduos e cultivando-os. Assim, a investigação demonstrou atualmente que a Curcuma longa é o resultado de uma domesticação intensa e que a versão selvagem era provavelmente menos rica em substâncias benéficas, como a curcumina. As espécies que não circundam são o fruto complexo da interação do homem com o seu ambiente…
No século II A.C., surgem na Índia o período Védico e depois a medicina tradicional de Siddha (sistema Tamil tradicional da medicina). Trata-se de medicinas holísticas muito vanguardistas que partem do princípio de que as doenças dependem de fatores dietéticos. Obviamente, a curcuma, ou Manjal, ocupa nelas um lugar de eleição; os Siddhars utilizam-na sobretudo como agente cardioprotetor. Quando, muitos anos mais tarde, os comerciantes Árabes descobrem esta especiaria e as alegações das populações locais sobre ela, vão ser seduzidos por seu turno e participar na sua divulgação pelo mundo.
Atualmente, a curcuma é um produto natural conhecido em todo o mundo. As crenças das populações asiáticas relativas a ela continuam a persistir, embora pareçam relativamente “ingénuas” para as populações ocidentais. Mas como podemos culpá-las? Não tinham qualquer forma de compreender de que forma a curcuma agia no seu corpo e não podiam adivinhar por que milagre ela lhes permitia viver mais tempo, a não ser por contas compatíveis com o seu sistema de crenças. A medicina moderna é muito mais terra a terra; não se preocupa com as belas histórias que envolvem as plantas tradicionais. Tudo o que lhe interessa é saber se elas têm um efeito fisiológico no organismo, se as podemos utilizar para prevenir e tratar doenças e se podemos compreender o seu mecanismo de ação. E acontece que a curcuma responde positivamente a estas 3 condições…
Graças a uma técnica muito sofisticada designada cristalografia por raios X, investigadores da Universidade da Califórnia, em San Diego, demonstraram que um dos constituintes da curcuma – a curcumina – tinha uma forma espacial muito particular. Quando se encontra próximo de uma molécula designada DYRK2 e que está envolvida nas células cancerosas, as duas moléculas encaixam-se como peças de um puzzle. E esta associação impede a DYRK2 de continuar a sua atividade habitual; a curcumina atua um pouco como um par de algemas que se aplicam nos pulsos de um homem e o impedem de se servir dos braços.
Afetada pela curcumina, a DIRK2 deixa de conseguir garantir a sua missão principal: ativar um triturador seletivo encarregado de destruir as proteínas inúteis ou danificadas na célula. Podemos imaginar este triturador como um enorme cilindro que engole as proteínas de um lado e as expulsa em pedaços do outro. Sem este triturador, designado mais cientificamente por proteassoma, os resíduos proteicos acumular-se-iam e acabariam por fazer explodir as células. Trata-te portanto de um elemento indispensável à nossa sobrevivência.
Mas, nas células cancerosas, o triturador fica completamente desregulado. Deixa de ser capaz de triar corretamente as proteínas que deve destruir e começa a exterminar proteínas vitais para a sobrevida do organismo. O triturador “desregulado” tem um apetite muito particular pelas proteínas que conseguem detetar anomalias na célula e dar o alerta. Trata-se de proteínas “salvadoras” que patrulham regularmente na célula e que monitorizam escrupulosamente cada um dos constituintes. Quando notam uma anomalia, desencadeiam reações moleculares complexas para a reparar. Se a reparação da anomalia não for viável e for suficientemente grave para comprometer a sobrevivência de todo o organismo, elas ordenam o suicídio da célula. Mais vale condenar uma célula do que correr o risco de ver essa célula multiplicar-se e formar uma colónia perigosa para o organismo.
Compreendemos portanto melhor porque é que as células cancerosas conseguem multiplicar-se apesar das inúmeras anomalias perigosas que transmitem; o triturador “desregulado” extermina as proteínas que deveriam vigiar as anomalias e impedir as células anormais de se dividirem. Esta artimanha permite às células cancerosas reproduzirem-se maciçamente sem qualquer controlo. Com efeito, não iriam muito longe sem a desregulação do “triturador”. É aliás por esta razão que a investigação se orienta há vários anos para a síntese de medicamentos que bloqueiam a ação deste triturador celular. Ao ligar-se à DIRK2, a curcumina atua precisamente assim. Desativa indiretamente o triturador celular, o que permite às proteínas “selvagens” escapar à morte e cumprir novamente a sua função. Pelo menos de forma momentânea, pois a curcumina não se liga de forma definitiva à quinase DYRK2, mas este sobressalto pode ser suficiente para conduzir a célula cancerosa ao suicídio ou a reparar algumas das anomalias…
Este mecanismo de ação, descoberto pela primeira vez, junta-se a propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias reconhecidas que já servem para prevenir e tratar inúmeras patologias na Ásia e noutros locais. Consagra, ainda um pouco mais, a curcuma na classe de super alimento.
O potencial da curcuma é excecional desde que consiga estar em contacto com as células do organismo. Os autores do estudo têm aliás o cuidado de lembrar que a biodisponibilidade da curcumina é fraca (13-14) e que a fração que chega à circulação sanguínea é rapidamente evacuada pelo fígado nas urinas. Esta fraca biodisponibilidade explica porque razão a curcuma é mais utilizada na prevenção do que no tratamento; as quantidades de curcumina que chegam às células podem ser suficientes para impedir uma célula de se tornar cancerosa (contribuindo para reparar os erros ou bloquear a sua multiplicação), mas não terão a mesma força face a um tumor já instalado que contém dezenas de milhares de células cancerosas.
Este problema de biodisponibilidade não se põe no tubo digestivo dado que a curcumina se encontra em contacto com as células sem ter de atravessar a parede intestinal. A quantidade ativa depende por isso diretamente das doses ingeridas. É o que explica a razão pela qual os ensaios clínicos se focam maioritariamente nos cancros do tubo digestivo (15), em particular o do cólon, que afeta anualmente 500.000 pessoas na Europa.
Existem formas de aumentar a biodisponibilidade da curcumina? Felizmente, sim. E também nesse caso, a sabedoria popular asiática se adiantou à investigação científica dado que os ingredientes que permitem potenciar a disponibilidade da curcumina figuram em várias receitas tradicionais como o curry ou os chutneys. De entre estes ingredientes, conta-se a bromelaína, um grupo de enzimas presentes no ananás fresco, e sobretudo a piperina, um alcalóide da pimenta preta que encontramos também no suplemento Bioperine. Como atua ela? Ao aumentar a atividade de uma proteína intestinal envolvida no transporte (16), mas também ao abrandar o mecanismo que permite solubilizar a curcumina e contribuir para a sua eliminação na urina (17). Num estudo realizado no ser humano, a administração de piperina permitiu assim aumentar a biodisponibilidade da curcumina em 2000% (18) bastando para isso os participantes engolirem uma dose de 2 g de curcumina, ou seja o equivalente a uma cápsula de Natural Curcuma. Como a curcumina é um quelante do ferro (19), esta estratégia é contudo reservada principalmente a quem não sofre carências de ferro.
Aconselha-se igualmente tomar suplementos de curcuma na alimentação, pois a presença de ácidos gordos aumenta a absorção da especiaria. É por isso que existem suplementos como Super Curcuma que contêm fosfolípidos e que apresentam portanto uma melhor absorção do que os suplementos clássicos.
Por último, é também possível cultivar alguns pés de curcuma em casa, numa floreira grande e tendo o cuidado de garantir que a terra está sempre húmida e ao abrigo da geada. A colheita, que se faz entre nove a dez meses após a plantação, irá garantir-lhe rizomas frescos, nitidamente mais saborosos do que o pó generosamente irradiado vendido nos supermercados…
Os pontos essenciais do artigo:
O estudo principal do artigo
Sourav Banerjee, Chenggong Ji, Joshua E. Mayfield, Apollina Goel, JunyuXiao, Jack E. Dixon, Xing Guo. Ancient drug curcumin impedes 26S proteasome activity by direct inhibition of dual-specificity tyrosine-regulated kinase 2, Proceedings of the National Academy of Sciences Jul 2018, 201806797; DOI:10.1073/pnas.1806797115
Referências
Crédits Illustrations : Lucille Duchene, www.lucilleduchene.com
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